Acordei entre preocupado e frustrado. Dormi pouco e passei a noite sonhando com amabilidades, com gentilezas, com abraços, com pessoas estendendo as mãos para outras pessoas.
Nos sonhos, as redes sociais eram canais de comunicação, de troca de ideias, de debates civilizados e até mesmo de cordial entendimento. Nesses sonhos reencontrei amigos, inclusive os precocemente partidos, e personagens de pequenas desafeições, que às grandes nunca fui dado. E com todos eles me entretive em agradáveis conversações, como se nossas diferenças, quando existentes, servissem de ponte para o diálogo e para aproximação.
"Que diabos está acontecendo?", pensava eu nos sonhos. Será que morri e me vi elevado a esferas celestiais só imaginadas? Mas, se morri, morreram todos! Teria havido alguma hecatombe? Todavia, nada indicava a ocorrência de quaisquer dessas possibilidades.
O estranho - e isso, de alguma forma, era a matriz de minhas angústias - é que em tempos de tanto ódio, de tanta malquerença, de tanto desrespeito pelas diferenças, de repente, sem mais nem porquê, os corações pareciam todos pacificados, como se batessem em um mesmo ritmo de paz e de harmonia.
Lembro-me de, no sonho, ter pensado que, por alguma graça de Deus ou arranjo dos deuses, meus sonhos se haviam realizado e que, finalmente, passamos a viver em um planeta no qual encontramos o equilíbrio capaz de sustentar, sem deformações de qualquer ordem, as diferenças e os antagonismos antes motivadores de nossos espíritos arredios e belicosos.
Parecia-me ouvir François-Marie Arouet bradando a frase que, provavelmente, nunca disse ou escreveu, mas que lhe é atribuída por todo mundo: "Ainda que eu não concorde com uma só palavra do que dizeis, defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo."
Sim, Voltaire, o François-Marie acima referido, talvez nunca tenha usado essa lapidar sentença, o que, convenhamos, é uma pena, porque ficaria bem em sua boca ou em texto seu. O fato é que, em algum momento, alguém a proferiu e ela sintetiza de forma definitiva o respeito e o apreço pelas diferenças, sentimentos que, no meu sonho, passaram a existir entre todos nós, para gáudio do meu coração pacifista e preocupação de meu espírito inquieto com os estragos que a intolerância produz nas relações humanas atualmente.
Talvez, por isso, os sonhos, a insônia, a noite mal dormida e a frustração do amanhecer se justifiquem: as notícias dos jornais e do rádio são velhas, são as mesmas de sempre, e o guru do presidente, encastelado em seu entreposto norte-americano continua destilando ódio e intolerância, inclusive, contra seus próprios seguidores e parceiros de ideologia.
Com esse barulho, não dá para dormir sossegado. É certo que haverá sobressaltos e sonhos, se houver, serão insuficientes para desarmar o espírito humano!